24 de março de 2010

CARTA PASTORAL BENTO XVI, TEMA: ABUSOS SEXUAIS.

Texto com Borda font-weight: bold;">Por Jesús Colina

CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 23 de março de 2010 (ZENIT.org).- Favoráveis, contrários ou internamente divididos, os meios de comunicação do mundo inteiro acolheram a Carta pastoral de Bento XVI aos católicos da Irlanda como um documento “sem precedentes”, não somente por ser o primeiro texto de um papa sobre o tema dos abusos sexuais por parte do clero, mas também pela dor com que foi escrito.

O interesse superou amplamente as costas da ilha irlandesa, como demonstrou o fato de que, poucos minutos depois da publicação no Vaticano, ao meio-dia do sábado, 20 de março, já era possível ler a carta em sites de jornais como Süddeutsche Zeitung, The New York Times, Le Monde, The Telegraph, El Mundo, Le Figaro, El Universal, Los Angeles Times, The Washington Post e El País.

As primeiras manchetes se concentraram na petição de perdão que o Papa dirige, em nome da Igreja, às vítimas de abusos cometidos por clérigos: “Sofrestes tremendamente e por isso sinto profundo desgosto. Sei que nada pode cancelar o mal que suportastes. Foi traída a vossa confiança e violada a vossa dignidade”.

Respostas das vítimas

Após a apresentação do documento, os primeiros comentários publicados pela imprensa se centraram em declarações de associações de vítimas de abusos sexuais por parte de sacerdotes, entre as quais também houve diferenças de opinião.

Entre as organizações criticadas, destacam-se, por exemplo, o comentário negativo de Maeve Lewis, diretora executiva de One in Four, e o comunicado divulgado no mesmo sábado às redações dos jornais pela Survivors Network of those Abused by Priests (SNAP).

Em particular, esta nota critica dura e ironicamente o fato de que Bento XVI não tenha tomado, neste documento, medidas concretas para enfrentar os escândalos, particularmente por não exigir nele a renúncia de mais pessoas que, de alguma maneira, possam ter estado envolvidas nos escândalos. Críticas semelhantes foram feitas por outras associações de vítimas, em geral com tons duros.

A esta crítica já havia respondido o Pe. Federico Lombardi, SJ, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, na apresentação do documento aos jornalistas, ao explicar que se trata de uma carta pastoral e, portanto, não indica medidas administrativas e jurídicas, como, por exemplo, a renúncia de outros bispos irlandeses. Tais decisões, de qualquer maneira, competem ao Pontífice e aos interessados.

Em algumas ocasiões, estas mesmas associações reconheceram que não compreendem o alcance dos anúncios que o Papa faz na carta, por abordarem questões técnicas do Direito Canônico: a convocação de uma visita apostólica, isto é, uma espécie de auditoria nas dioceses da Irlanda, assim como nos seminários e congregações religiosas, com a ajuda de expoentes da Cúria Romana.

O próprio Papa compreende, no documento, a dificuldade que supõe para as vítimas destes abusos aceitar suas palavras: “É compreensível que vos seja difícil perdoar ou reconciliar-vos com a Igreja. Em seu nome, expresso abertamente a vergonha e o remorso que todos sentimos”.

Por sua parte, a Irish Survivors of Child Abuse Organization (Irish-SOCA) considerou que a carta contém “um reconhecimento evidente de que a Igreja na Irlanda pecou da maneira mais grave contra jovens durante muitas décadas”.

O porta-voz vaticano, em sua apresentação aos jornalistas, também respondeu à crítica lançada por jornais alemães, que esperavam alusões por parte do Papa à situação do seu país. Cada país, segundo o Pe. Lombardi, tem sua especificidade. O Santo Padre decidirá quando e como intervir no caso da sua pátria, garantiu.

Culpados diante de Deus e diante dos tribunais

Outro trecho muito citado pelos jornais e pelas vítimas, particularmente por Irish-SOCA, foi o dirigido “aos sacerdotes e religiosos que abusaram dos jovens”, para garantir-lhes que “traístes a confiança que os jovens inocentes e os seus pais tinham em vós. Por isto deveis responder diante de Deus onipotente, assim como diante de tribunais devidamente constituídos”.

Ao sublinhar estes trechos, a imprensa insistiu em que, para a Igreja, não é possível aceitar nunca mais o encobrimento: “A justiça de Deus exige que prestemos contas das nossas ações sem nada esconder. Reconhecei abertamente a vossa culpa, submetei-vos às exigências da justiça”, assegura o Papa aos clérigos manchados por estas culpas.

Por este motivo, uma das manchetes mais comuns para ilustrar a carta foi “Os sacerdotes pedófilos devem responder diante de Deus e dos tribunais”.

Uma carta sem precedentes

No entanto, há um aspecto em que o Papa obteve o consenso entre as associações de vítimas e a imprensa em geral: as “desculpas sem precedentes” que aparecem na carta, com tons sinceros e humildes.

“Não posso deixar de partilhar o pavor e a sensação de traição que muitos de vós experimentastes ao tomar conhecimento destes atos pecaminosos e criminais e do modo como as autoridades da Igreja na Irlanda os enfrentaram”, reconhece o Pontífice em sua missiva.

“Papa sente ‘vergonha’ pelos casos de pederastia” foi a manchete de alguns jornais.

O que a imprensa não abordou: a penitência

Foi interessante constatar que os meios de informação deixaram de lado a primeira medida adotada pelo Papa, totalmente excepcional para um documento com estas características: a penitência comunitária que a Igreja propõe para esse país.

O Pontífice convida os católicos irlandeses a oferecerem “as vossas penitências da sexta-feira, durante todo o ano, de agora até à Páscoa de 2011, (...) para obter a graça da cura e da renovação para a Igreja na Irlanda”.

Tampouco ocupou espaço nos jornais o trecho no qual o Bispo de Roma incentiva a “redescobrir o sacramento da Reconciliação”, assim como a “adoração eucarística”, e aquele em que convoca “uma Missão a nível nacional para todos os bispos, sacerdotes e religiosos”.

O descuido destes trechos levou a imprensa a ignorar a frase central da carta do Papa, frente ao futuro: “Tenho esperança em que este programa levará a um renascimento da Igreja na Irlanda na plenitude da própria verdade de Deus, porque é a verdade que nos torna livres”.

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